quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Cadeira nem beira


Quando tudo se apaga
é sinal de que o tempo
se esgota na sede de correr...

Cada passo desse chão
cada ponta para o céu
cada vivo que se morre noite
cada boca que sim diz pro véu

Cadê? Eu hei de perguntar...
Cadê? Onde estão aquelas folhas
[e aquela brisa de verão]

Cada soco violento
cada rio violento
cada riso violento
cada hora violino

Cadê? Eu não temo em choramingar...
Cadê o homem que me botou assim?
[e aquele escárnio a pulsar]

Cada vez que estou
cada membro que está
cada colo que estarei
cada beijo a duvidar

Cadê? Não paro de gritar...
Cadê você que me tortura e acha graça?
[glória aos homens por ele amado]

Cada vez que eu repito
cada verso traz um desgosto de
cada vez mais me segurar aqui
cata-versos a me entupir

Cadê o dono desse lugar?
Cadeiras cavadas pra me esconder
[não há cama, nem ferrão a me esperar]

Cada morte que se passa aqui é
cada gente que se salva por
cada palavra guardada, mesmo que torturada
cada qual besuntada na sua delícia de não dizer

Cadê?
Foda-se!

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A história da contente Maria


Enquanto as mulheres
bordavam os cachos de seu Francisco
e as crianças pintavam areias
diante o céu que se erguia e se coloria
Dos canaviais
ali de trás daquelas casas
todas tão pequenas qual pedrinhas de lajeados
ouviu-se um choramingado que abria o amanhecer.

Era ela tão morena
Toda assim sem nem caber de pequena
Com um terno tracejo sorria
E por ser tão emariada
Que sua doce Ana, caiana, mãe
Resolveu lhe chamar de Maria.

Quanta luz se fez no sertão
Toda gente apertava os olhos
Tão grande era o clarão
De quando passava Maria

E toda a terra a amava
Em seus olhos de beterraba
Seus cachos trançados de rio de prata
E na sua singela roupa de lona de circo
qualquer princesa que se cruzava
Maria sorria, pois sabia das asas que tinha.

Mas Maria, que tanto sorria
Era só o único alumio do brejo da gota.
O céu puramente azul
sem qualquer tipo de imaginação de algodão
rachava o solo sempre que ela se ria
secava as floridas cestas da vila
sempre que ela corria
matava – de sede – enquanto Maria vivia.

Maria que era assim, um cirquinho de conchinhas
passou... passada fez de sua lona
um imenso vestido de estrelas.
Com sua renda no cabelo
mantinha seus olhos pequenos
e o leite que escorre de sua boca, raiava o dia como sempre

Tanto sois dessa menina
tantos sonhos dessa meninona
tantos sorrisos dessa mulher
trincava cada menino, cada mulher, cada senhor
e a vida, imitando algo que não se via
escorria.

Uma história tão assim
cheia de uma luz que ardia de olhar
secou o sertão, o dissolveu em grão
Ela, foi aclamada enquanto descansava
no avarandado da alegria.
Com as bocas secas, era rogada:
- Então, não sorria Maria.

Boas Novas

Hoje começa uma nova fase no tão novo "pra não chamar Maria".
Surgiu uma ideia maluca na minha cabeça e eu pedi para um amigo ser meu comparsa e ele aceitou. A partir de hoje, o blog publicará junto de suas poesias a leitura fotográfica destes poemas por Leonardo Santangelo.
A brincadeira é mais ou menos assim. O Poeta lhe envia um poema e, assim, esse fotografa o seu sentimento diante o escrito. Assim como haverá poesias que serão a expressão de algumas fotografias.
"Acho legal que cria uma interação maior entre os dois papéis (poema e foto) porque poe a pessoa a questionar, tanto o que leu quanto o viu." (Leonardo)
Hoje o pra não chamar Maria invade a rede com a máxima manifestação da arte onde aquilo que foi sentido e escrito por um passa a ser sentido e fotografado por outro criando uma terceira expressão artística: a sua leitura. Bem vindo ao "pra não chamar Maria", fiquem a vontade e saboreiem o máximo.

Ode matinal ao que não se vai


E hoje de manhã eu quase morri.
Aquele monstro seco que me habita
Remoeu, gemeu, arranhou
Enfezado a vida que não quer ter
A cria dura de uma fase não resolvida
O filho bastardo do ontem
Quebrou minha coluna ao meio
sangrou minhas entranhas
e em três pontos se disse feito
mas não
persiste a dor
num caminho de fim de giz
num resto amargo de boldo
no filho morte
no sonho de expelir
-pelo amor de deus
o mal que me preenche.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Aquele Amante


Eu sou aquele amante
estranho de que todos falam
aquele que fecha os olhos
e enxerga através da pele.

Disposto aos sorrisos,
às loucuras matinais,

Eu sou aquele amante
pronto, mas não terminado.
O desejo e o necessário
tomado do único defeito:
-Aquilo que chamamos de Amor.

domingo, 8 de agosto de 2010

OFF


Eu que já suspirei todos os ares
eu que já fumei todos os cigarros
eu que já contei todo o céu
estou em contas aqui parado

Eu que já beijei todos os sonhos
eu que já indaguei todos os copos
eu que já roubei todas as noites
estou sem roupas aqui parado

Eu que já não sei
eu que já não estou
eu que já fui

Adeus!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Dia de Pão


Hoje, voltando da casa da minha avó, passei em frente à antiga padaria do bairro e minha mãe que estava cantando uma música qualquer do rádio, parou o carro no pare obrigatório como obrigatória foi a parada da sua cantoria, como tão quanto de repente o carro andou “A padaria vai fechar, que raiva” de repente foi o choque que se sucedeu. Eu meio que sem entender, coloquei o saco de balinhas coloridas - aquelas de gostos de frutas, bem azedinhas e que segundo meu pai custam os olhos da cara e que pensando bem, às vezes eu sinto que preferiria ser cega, mas ter a boca para sentir os seus sabores coloridos – perguntei por que a minha mãe. De terceira marcha ela embreagenhou um rápido e “não sei” e acabamos por chegar em casa.

Durante o banho eu lembrei dos brigadeiros que tinham lá. Durante a janta eu lembrei dos croassant de geléia de amora que meu pai comprava todo café da manhã “Esses pãozinhos custam o olho da cara, mas são bons demais né?”. Durante a novela eu lembrei dos pães franceses, que graças a Deus não vinham com bigodes fininhos acompanhados de boinas avermelhadas. Durante a noite: Sonhos.

Me lembro vagamente da substituição de coisas a serem vendidas. Uma grande broa de milho, vestida com um avental branco, sovava uma massa diferente enquanto uma Baguete daquelas cumpridas e secas fumava – talvez por isso tão magricelas – na porta da padaria esperando algum cliente para cumprir sua função de caixa. No balcão da frente eu via todos os meninos da escola afundados em caminhas de bolacha cobertas por creme de limão e eu juro pra você que eu achei foi bom; meninos são chatos, tomara que o limão arda seus olhos. Minhas amigas preferidas, espetadas em pauzinhos de madeira, cobertas de chocolate se mostravam sobremesas infantis. No balcão dos fundos estavam Seu Jesus – dono da padaria, sovado, amassado e assado como um pão círio, Dona Maristela – esposa do Seu Jesus, assada e enfeitada como um bolo de casamento; meu pai apertado numa forminha de papel era não o olho da cara, mas um olho-de-sogra e minha mãe uma maria-mole.

Só lembro que eu podia de tudo ali comer, nem lembro mais onde eu deixei meu saquinho de balas coloridas e a boneca que eu segurava, eu só sei que não sabia o que fazer. A minha grande dúvida era se eu me mantinha de boca fechada ou se eu os comia até o último pedacinho. A minha fome era de algo que eu não sei o que é, a minha sede era para um solução. E nesse dia em que tudo era de graça na padaria do bairro, ninguém ia até lá comer. As pessoas sentem fome de não sei o que, mas se sentem sempre fome, porque não iam lá comer nesse dia de promoção? Eu gritava e chamava pelos funcionários e ninguém me ouvia, apenas os doces e bolos dos balcões franziam a testa para minha barulheira.

Aos poucos, quando eu vi de longe minha boneca comendo minhas balinhas, eu achei que as coisas, as pessoas e o mundo estavam complicados demais. Eu tinha a sensação de que ninguém me ouvia – e olha que eu sou uma menina que fala alto, a minha professora sempre reclama disso nas reuniões de pais e mestres (ou pães e padeiros) – mas tinha medo de na vontade doida de comer todas as minhas balinhas, que eram o olho da cara, eu ter ficado cega e não ver mais as pessoas que estavam perto de mim, de não ouvi-las, de não senti-las, tamanho fosse a minha gulodice. Na dúvida, diante a crise coisica, das crises pessoais e das crises mundiais, eu preferi sentar debaixo da árvore de frutinhas amarelas do Sr. Victor e fiquei quieta! Como sempre disse minha avó “em boca fechada não entra mosquito” e assim também eu não corria o risco de comer nenhum daqueles doces estranhos da padaria do Seu Broa. Porque pra mim, não comer é ficar em silêncio e por mais que a tia da escola diga que eu preciso me alimentar muito bem, pois eu estou em fase de desenvolvimento, eu tenho preferido ficar em silêncio a me lambuzar com palavras mal ditas.

Se isso chama covardia, talvez seja só problema meu... Se isso chama fuga, talvez seja só problema meu... e não me olhem com cara de “nossa que menina birrenta e mal criada” eu to quietinha, eu não to comendo nada. E a próxima vez que disserem, “mas gente, como essa menina ta magra”, saibam que eu to me abstendo dos problemas e das crises mundiais, eu sou pequena ainda e tô aprendendo. “Birreeeenta!” Birrento é você que acha que vê aquilo que pensa que sabe o que vê e bate o pé achando que tem a verdade na ponta do dedo e aponta pra mim dizendo “Birreeeenta!”. Eu só tenho preferido o silêncio, porque meu medo é de abocanhar e machucar alguém com as minhas palavras – brancas, enfiodentadas e escovadas todos os dias. E eu sei que eu deixando de comer ou falando e fazendo muito barulho vou acabar machucando alguém. Na dúvida, que haja o silêncio. Fica mais fácil de dormir e mais tranquilo de morrer caso os ferimentos sejam irreversíveis!

No outro dia eu acordei. A padaria tinha fechado as portas mesmo e agora o pão vem fechado num saquinho, em forma.
“Nossa, mas essa marca de pão é o olho da cara, não é mesmo meu bem?!”

terça-feira, 3 de agosto de 2010


A mulher se desfez
em bolas, taco e mesa verde
O homem se desfez
em pernas, boca e leite
A mulher se refez
e foi embora
e o homem ficou desfeito

A civil


Há uma esquina...
Enquanto eu espero
que a chuva pare de cair
há sempre uma esquina
que não pára e insiste em me olhar.
São pedras pequenas,
águas que correm
sujeiras,
folhas,
luzes no céu
e uma esquina
que não pára e insiste em me olhar.
Há uma esquina...
está sempre molhada
após as chuvas quentes
e seguindo seu bailar ondulado
o óbvio de se ser molhado
escurece sempre
quando não sinto
e assim persisto em não enxergar.
Há uma esquina,
que se molha quando chove,
que escurece quando não há luz
que endurece quando me seca a boca.
Por ser assim, tão feito de lascas
tão sujo, tão chão
a esquina consegue
sempre seguir seu caminho
...um vizinho
...um quarteirão
...um bairro
...um universo
Dos mijos de cachorros,
dos vômitos dos embriagados,
do gozo dos despreocupados,
do passar despercebido do meio dia
ao pisar medroso da meia noite
mesmo que sempre tão óbvia,
molhada, dura, suja
numa esquina.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

À brio vital


...os pés frios
...uma tarde de abril
uma vida que corre
dentro de mim
procurando um fio
aquele que azul
se fez em branco
e os olhos em cores
cobrem com folhas tardias
as flores brancas de um dia branco.
- somente sete – sente?

As estradas que percorremos
são trigos ao vento
bocas fechadas
e olhos discretos
das lascas que pisamos
em busca do alto riacho
que não para nunca
- de correr

As pedras paradas
acompanham paradas
a história de homens
e suas intermináveis
paradas aquelas pedras

As vilas passam
as velhas joias passam
as mulheres rubras passam
as crianças
as rosas
as azuis
as brancas
o limite
-passa

Sou só uma árvore
e a vida nasce em mim
na seiva, seja!

domingo, 1 de agosto de 2010

Num acorde d'água


-Havia flores pregadas na parede

Do silêncio das venezianas
Ao assoalho latejante de um cômodo qualquer
Corriam pelas portas as crianças
Que não passavam de vento
Que não ventavam apenas aquilo que se passa
Brincavam de ser homem
Foi como tudo começou
Arrebentou as ondas mais altas
Murchou os mais vastos campos de girassóis
e do pequeno menino se fez o nada
As paredes todas decoradas
Pisadas no suor da saudade
Trouxe de volta
A fina luz entre as folhas
E num único desejar da brisa
Eu vi que os galhos se balançaram
A grama se fez sedutora
Subiu as escadas de pedras tão lisas
Invadiu as portas da frente
Girou o corpo no instante
Silenciou sobre o tapete
Eu era uma árvore de flor e fim