segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Bodas de Safira

- Pode falar agora?

“E, entre os dois, a ideia de um sinal, traçado em luz...”

Ah eu não tenho muito do que reclamar, sabe? Não muito, por que um pouquinho a gente sempre tem né, a reclamância dá gosto pra coisa! Quarenta e cinco anos de casa, com casa e bem casada com o mesmo amor da minha vida e digo mais, nunca precisei se quer espichar o olho pra qualquer outro rapazote que me desse chance. E foi sempre assim, eu e ele, a viola dele e a minha gatinha, as flores dele e as minhas receitas, tudo assim, abençoado e saboreado por Deus, que nos proteja sempre, amém!

“A tarde dói... de tanto igual.”

A gente se conheceu era tudo mocinho, sabe? Meu sonho era encontrar um amor como aqueles que a gente se lia em livro, bonito, que parece bordado em renda holandesa de tanta flor que o romance enfeita, mas num acontece né menino, cê sabe como é né? A poesia é os traço delicado de tinta que pinta a cor dos olhos, e na maioria das vezes a gente leva uma vida cega. A gente se olhou, eu virei pro balcão e fiquei esperando minha bebida, quando eu olhei ele não tava mais lá onde eu tinha visto, não. Mas, pra minha surpresa, ele tava sentado bem do meu outro lado, parado com uma cara de assustado que dava medo... Eu? Ah eu devia tá com a cara mais assustada que a dele, foi a primeira vez que eu senti a leveza de um bordado holandês. Foi a primeira vez que eu senti borboletas na barriga. Ele perguntou meu nome e eu disse! Eu perguntei o dele e ele respondeu: Planura! O bicho tava tão nervoso que mal conseguia falar direito, falou onde morava no lugar da graça que tinha, o que teve sua graça; Eu que já tinha me encantado por aqueles olhos escuros e assustados, chamei o garçom e pedi algo que pudesse deixar ele mais tranquilo e aí depois disso o depois se tornou agora e a coisa toda aconteceu acontecendo por quarenta e cinco anos bem casados e repousados nas mãos de Deus, que nos proteja sempre, amém!

“Que luz que faz...”

Lembro que quando ele foi conhecer meu pai, ele chegou vestidinho com um terno que eu nunca tinha visto. Mais velho que os pano que a minha mãe usava pra limpar a casa, mas tava formoso, com o cabelo penteado de lado e uma sacola na mão, trouxe trufas pra sobremesa da janta... O meu pai? O meu pai já foi logo de bica soltando um “chocolate pra adoçar o que, rapaz?”, mas tudo se deu bonito, ele teve a sorte do meu pai ser professor de biologia da escola de ensino médio da cidade e gostar tanto de flor quanto o próprio que era dono de uma floricultura lá na cidade dele. Ele me chama de “minha flor” até hoje. Inclusive nosso casamento foi o “casamento mais florido que a cidade já viu”, saiu no jornal. ... Pra que falar de problema se a vida foi muito mais bela do que feia? Menino, entende uma coisa, tamarindo é azedo, mas é você que escolhe chupar ele ou não, entendeu?
“Mas, a voz diz...”

A Alice é minha gatinha desde tempo de moça, ganhei do meu primeiro namorado, ele não faz ideia disso ... Vixe é mesmo, vai fica sabendo agora! Ah, fica tranquilo, nosso nó tá mais do que bem dado já! Ele tem muito medo de borboleta, sabe? O que de certa forma chega ser engraçado, porque um homem que mexe com flor não podia ter medo das suas damas, pois tem. Pelo contrário, Alice adora uma borboleta. Tava pensando, borboleta é um bicho que tá sempre na nossa história. Ele morre de medo, a gata gosta de brincar e eu, eu sinto elas na barriga que nem da primeira vez, todo dia, quando o portão abre as 18h da tarde. Não sei dizer por que e prefiro nem saber por que, tá tão bom do jeito que tá, elas se avoam todas dentro de mim, deve ser daí a leveza do meu amor.

... Ah, o resto de tempo que Deus, que nos proteja sempre, amém, puder dar vida pra nós dois. Eu tive um filho só, um filho bem tido, daqueles de encher de orgulho o peito da gente, cheio de problema que nem o pai dele, que nem eu, mas quem não tem problema? Só sei que dos problemas que ele me deu, os mais gostosos passavam o domingo correndo, outro sempre arrebentava as corda do violão do avô dele e a outra gostou sempre muito de jogar bola... Três netos, uma molecada linda de dar gosto, dois menino e uma menina. Do resto, não tenho do que reclamar muito não. Até porque eu to véia, e a minha pouca reclamância é charme da minha idade E só peço aos céus a força final, o ultimo tranco pra dar conta de sentir que eu passei por essa terra e que to indo embora dela com as unha suja, do resto, eu vou ser feliz.
“Motriz...
Matriz....
Motriz...”
- Corta!