quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A flor que restava

Debruçada no parapeito de barro, Miranda observava mais um dia, que escorria como se o tempo fosse passando e passado, ensopado na roupa do varal que não seca, Mirava e só.

Era uma moça de corpo fino, mas não elegante, tinha em uma das mãos a firmeza do campo e na outra a incapacidade de apontar, não era bonita, tinha as pernas duras e marcadas e nos pés apenas o chão que pisava. Da janela, via o tempo escorrer e no fundo do pensamento, sem saber que pensava, sentia injurias e arrependimentos alheios, arrependida da chuva que outros pediram. Enquanto seu pai, meio adormecido na cadeira vermelha da cozinha, resmungava a falta de milho da estação enchuvarada, a vó cutucando com um garfo o braseiro do fogão explicava “o povo perdeu tempo demais com reclamações erradas, agora aguenta o choro de Deus desgostoso do que fez”.

A cor de terra seca que Miranda tinha combinava com seus mirantes cor de flor de umburana, era coisa mais bela que tinha, era a única flor que havia sobrado no sertão, era a última esperança que ainda floria. E sorria, pois achava bonito de imaginar que os cobreiros estariam todos alagados e as rolinhas entediadas cambaleando num galho seco qualquer. Não tinha inocência, não era mais criança, mas sofria a dura tristeza de não ter algo que lhe fizesse mulher, era perdida em si mesmo, em seu tempo.

Debruçada no próprio peito, Miranda contava em gotas as batidas fracas e melosas de seu Roberto na vitrola, enquanto lá fora o Homem aprendia que seja o sertão seco ou rio corrido, que o milho nasce apenas em seu tempo correto.