terça-feira, 28 de junho de 2016

Depois de Você

(Imagem: Troche - "Salir a Caminar") [a TV fora do ar chia a expansão barulhenta do universo quando a programação subitamente volta ao ar] - [...] Claro que não! - [entrevistador faz uma pergunta em off - São tantas coisas que aconteceram, acho complicado dizer aqui se houve uma causa clara. - [...] - Veja bem... - [...] - Sim, mas veja bem... - [...] - Concordo, mas veja bem... - [...] - E depois de você, o que é que há? Depois de você há ruas que se espalham por aí cheias de gente e de carros tão desorganizados quanto os nossos pensamentos. Depois de você tem serras, árvores, tem bicho deitado, tem bicho de quatro e de pé. Tem mar, espelho do céu quebrado. Depois de você tem nossa origem, tem nossa história, tem tudo aquilo que nos fez algo, tem rosas de barro cheirando artesanato novo. Depois de você tem cheiros, tem sabores, tem fé... Depois de você tem fé, tem a fé que é preciso ter para sobreviver, por que o que seria de nós sem os deuses que criamos? Depois de você tem o passado, tem o tempo parado rente ao futuro que quer cada dia ser maior. Assim, separados por um muro. Depois de você tem meio dia inteiro de diferença e sempre que eu amanheço você anoitece e a gente não se encontra. Porque o dia e a noite se amam, têm saudades, têm vontades, têm desejos, mas não se falam, não se compreendem, não se encontram nessa língua estranha que se usa. Depois de você tem uma infinidade azul, tem o espaço, a solitude, o pensamento. Depois de você tem gente que parece índio, montanhas e até neve. Depois de você tenho eu, de costas... Depois de você eu me encontro, vejo minha própria nuca ansiosa, olhando pra frente, tentando enxergar o que há depois de você. - [...] - Sim... Me desculpa, mas você trata esse assunto como se fosse qualquer assunto de auditório. - [...] - Se eu estou ou se eu quero? - [...] - Claro que não! [Entra a música Jabitacá tocando ao fundo] “Mas não me deixe navegar Se já não crê no encanto deste mar Se nossas manhãs se perderam nas ruas sem jardins” [Entram os comerciais].

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