sábado, 17 de novembro de 2012

Quadros Cegos

Se houvesse cores
talvez elas fossem azuis
como sempre o sinto azul
e apenas sinto e sei o que sinto
Talvez amarelas
assim como seu assovio pela janela.
Eu na tua cantoria
gosto de me sentar em teus sons
e lembrar do vento dos teus braços
da imensidão de me aninhar sob teus carinhos
e a liberdade do teu abraço
- um sol de domingo.
Verdes...
e quando eu penso em dizer adeus
me lembro dos teus olhos
e mergulho fundo em seus aquários
vivendo meus sonhos e os teus suspiros tão longos.
E é no som, no tato, deitado sobre meus lábios
que você e eu nos perdemos no infinito da vida
ao tom de uma nota incolor.
Se houvessem cores... mas elas não existem
e assim sigo, te sentindo, te ouvindo,
e te amando no escuro dos meus olhos esbranquiçados.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Crônica do que termina mas não se vai

Era uma quinta-feira tranquila, o céu estava azul e o sol estava quentinho, desejando bom dia àqueles que lhe sentiam. Foi quando de repente, em meio ao silêncio barulhento das maritacas, que uma ambulância cruza o estacionamento abaixo da minha janela do quarto, pedindo passagem aos carros estacionados, pois precisava socorrer alguém. Surpresa a minha que essa pessoa era uma senhora do meu bloco. Assim se deu a cena, uma ambulância que já preparava todos os aparelhos insistidores de vida, bombeiros desamarrando escadas e pés-de-cabra e mulheres histéricas que ecoavam em um pranto, talvez de fato humano, o desespero por uma senhora que até então não havia dado sinal de vida, não havia aberto as janelas e não atendia nem à porta nem ao interfone. Ela estava morta.
Após muita discussão e estratégias traçadas para que se decidisse a forma de socorre aquela senhora, agora companheira do inevitável fato da vida, um último contato foi tentado. Se fosse meia noite e a lua estivesse coberta por nuvens, esse seria um cenário de história de terror, mas não, era uma quinta-feira de manhã e tal qual a tranquilidade com que ela se iniciara, a senhora atendeu a porta de camisola e com cara de sono apenas disse: bom dia!

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Refração


E no fim das contas
Todo aquele sentimento que existia
Continuou existindo e se tornou
Parte necessária de ambos.

E agora num algum
vejo cruzar o restaurante
Seus olhos engraçados
Na fila do teatro, um outro
com seu jeito de andar
No braço de qualquer violão
Seu sorriso.

De tantas frações de você
Eu que se quer te conheço por inteiro
Tenho no fim da equação
Aquilo que me é verdadeiro.

Quando todas as palavras foram ditas
E quase todos os sentimentos
Aqueles que por agora nos são possíveis
Foram sentidos
Não há hora perdida que não valha sentir.

E na dúvida do certo e errado
quero mesmo é me deitar
nesse resultado
e saber que nossa luz é refração
de mil histórias pra se contar.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

São todas essas coisas que se findam
Sendo acabadas
e são todas essas coisas que se enfincam
sendo eternas.
Nesse descompasso entre o que termina
e o que culmina e o que se inicia e o que fica
é que eu lamento por aqueles que não sofrem como eu.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Para além de toda paisagem
que há em torno de mim
e pela saudade do sol
do frio e do vento
faço o sinal da cruz e parto
a caminho de mim mesmo

segunda-feira, 26 de março de 2012

História d'água

E o outro, sentado no canto do quarto
rescindido ao seu corpo nu
olhava sobre a cama
um corpo quente e adormecido
donde da linha da barba brotava
a veia como um rio inteiro
descendo pescoço abaixo
invadindo o peito
norteado pelo risco da pele.
No pelo avesso
se via o sentimento minando
água viva, da fonte à foz.
Foi sob a pele líquida
que surgiu a dúvida talvegue se homem ou mulher.
E o outro, sentado no canto do quarto
ressentido em seu corpo nu
aguava seu peito no aguardo
do fim do tempo sem marca
de sua estiagem

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O sol fez seu trabalho

Não havia mais palavras

Nem pensamentos ou esperança

Não havia mais de mim em ti

Nem eu, nem Maria, nem lembranças.

O outono chegou mais cedo esse ano

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A flor que restava

Debruçada no parapeito de barro, Miranda observava mais um dia, que escorria como se o tempo fosse passando e passado, ensopado na roupa do varal que não seca, Mirava e só.

Era uma moça de corpo fino, mas não elegante, tinha em uma das mãos a firmeza do campo e na outra a incapacidade de apontar, não era bonita, tinha as pernas duras e marcadas e nos pés apenas o chão que pisava. Da janela, via o tempo escorrer e no fundo do pensamento, sem saber que pensava, sentia injurias e arrependimentos alheios, arrependida da chuva que outros pediram. Enquanto seu pai, meio adormecido na cadeira vermelha da cozinha, resmungava a falta de milho da estação enchuvarada, a vó cutucando com um garfo o braseiro do fogão explicava “o povo perdeu tempo demais com reclamações erradas, agora aguenta o choro de Deus desgostoso do que fez”.

A cor de terra seca que Miranda tinha combinava com seus mirantes cor de flor de umburana, era coisa mais bela que tinha, era a única flor que havia sobrado no sertão, era a última esperança que ainda floria. E sorria, pois achava bonito de imaginar que os cobreiros estariam todos alagados e as rolinhas entediadas cambaleando num galho seco qualquer. Não tinha inocência, não era mais criança, mas sofria a dura tristeza de não ter algo que lhe fizesse mulher, era perdida em si mesmo, em seu tempo.

Debruçada no próprio peito, Miranda contava em gotas as batidas fracas e melosas de seu Roberto na vitrola, enquanto lá fora o Homem aprendia que seja o sertão seco ou rio corrido, que o milho nasce apenas em seu tempo correto.