Da lasca da madeira, ouvia o insistente compassar de dentro da casa.
Os cômodos vazios suspiravam um ambiente que tinha na lembrança recente dos tintilares de garfos e facas e elogios saborosos em relação à comida, que ainda se mantinha na mesa e em perfume no ar, o ultimo estrondo da porta. Ao longe se ouvia um gemido baixo, um choro fraco que molhava os lençóis azuis do ultimo quarto do corredor. Paulo.
O rodapé era sempre enfeitado com uma bola de capotão encardida, pelo tempo, que ganhara no seu primeiro aniversário. Gostava de se deitar no chão frio do quarto, sobre o tapete branco que combinava com a única parede azul, excluída pelas outras três brancas que se erguiam imponentes em número maior. O rádio preto sobre a cômoda branca “deve ser o contraste do que eu ouço com o que eu visto” – pensou certa vez quando com os pés em cima da cama olhava para o teto decorado com estrelas e planetas fluorescentes. Um estudante completo, um artista perfeito, um neto exemplar, um filho escondido. Paulo.
“Para Evandro, você não tem noção do que você está falando, o menino chegou tarde em casa como chega todo final de semana. Evandro olha pra mim, eu to falando com você. Eu não te entendo mesmo, você pagou dois anos de terapia pra ele deixar de ser tímido, pra que ele fosse um garoto normal como qualquer um da idade dele e agora tá fazendo isso. Evandro, onde você vai? Evandro? Evandro vem aqui...”
Sempre havia freqüentado os melhores colégios da cidade, sempre havia vestido as melhores roupas do shopping, sempre havia sido o melhor amigo da sua mãe. Gostava de futebol, mas não apreciava, era fanático pelo seu time do coração, ou do coração do seu pai, só jogava na escola. É aquele garoto típico de rodinhas, está sempre cercado de meninas, do tipo engraçado, meio desengonçado, quase que bem formado – um adolescente como outro qualquer.
Trancado no quarto externo da casa, onde empilhava caixas de ferramentas e coisas que não usava mais, o pai, Evandro, filho de Mãe largada, irmão primogênito e mecânico da mais influente oficina de tratores da região, olhava pro chão procurando entender suas últimas palavras, talvez encontrasse entre as pedras caídas entre as caixas empilhadas a dureza das últimas palavras tremidas que havia expelido.
“Você acha que eu sou um monstro, um monstro desse tipo que se vê em filme na TV. Mas você nunca vai me entender, você nunca vai entender o que sinto... Minha vida nunca foi sessão da tarde Mulher, eu trabalhei deus de cedo e nunca tive tempo pra ficar de papo na rua. Mas aí o que acontece? Você casa, tem filho e quer dar tudo aquilo que não teve e ai numa mesa dum domingo de Deus, na hora do almoço você me fala uma desgraça dessas como se estivesse falando de algo normal? Toma vergonha nessa tua cara seu...”
As mãos rápidas recolhiam o resto de arroz ao pé da cadeira, enquanto da boca saltava qualquer oração baixa, dessas de coração de mãe, pedindo ajuda para saber usar da força que lhe são natural. Ela era a terceira filha de três. Filha de velhos aposentados. Dona de casa e fã de programas de culinária; vivia de sonhos e outros doces de festa.
“Paulo abre a porta meu filho? Tenta entender seu pai, é outra criação, você sabe que ele te ama e não falou aquelas coisas por mal! Eu sei. Eu só queria te dizer que ele te ama filho... Não fala isso Paulo, você também não sabe o que tá dizendo, é um descontrolado que nem o seu pai como se fosse adiantar numa hora dessas os dois ficarem trancados dentro do quarto como duas crianças pequenas e eu tenho que ficar aqui no meio como se eu não tivesse desesperada com essa coisa toda meu deus eu não sei eu não sei meu deus”
Do último quarto do corredor ouvia-se escorrer e pingar nos dedos inquietos dos pés sobre o tapete branco, um risco fino de desespero, aquele choro de quem não pode ouvir mais sua música favorita em seu rádio preto. Da ultima porta do corredor se ouvia escorrer e pingar sobre o avental, delicadamente bordado de azul e rosa “domingo”, um risco preto de maquiagem de terceira que dividia o peito num choro de mãe, num choro de medo. No fundo do quarto externo, ao lado de uma caixa aberta, ouvia-se escorrer e pingar sobre os dedos estendidos da mão, um risco branco de um gozo proibido das páginas de todos os homens que moravam empilhados naquele canto.
sábado, 27 de novembro de 2010
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Eu escrevi um poema triste (Quintana)
Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Histórias de gente branca
E tudo parecia intencionar uma tranqüilidade que não se expressava nas mãos suadas, já amassadas que amassavam o lenço fino. O dom do trabalho pendurado nas paredes brancas se mostrava em rápidos textos e curtas assinaturas; a mesa limpa; o chão branco que insistia em transformar o forte cheiro do dentista em uma paz que não existia ali. Ela tremia dos pés a cabeça. Não se sabia se temerosa aos finos e afiados penduricalhos da bancada de procedimento ou se a sensação de que a dor que sentia até então fosse lhe custar uma úlcera ácida no fundo do bolso. Ela tremia.
Ao se aproximar o valente cavalheiro, vestido de branco e escondido por de trás de uma misteriosa máscara clara, vestiu suas luvas como se preparasse para uma batalha. Ela tremia. “Dr. Quanto custa pra distrair o dente?” Sabido da sua missão de distrair aquele que à mulher causava dor, o homem de branco entendeu que às vezes pra distrair a dor é preciso um bocado de sangue.
Ao se aproximar o valente cavalheiro, vestido de branco e escondido por de trás de uma misteriosa máscara clara, vestiu suas luvas como se preparasse para uma batalha. Ela tremia. “Dr. Quanto custa pra distrair o dente?” Sabido da sua missão de distrair aquele que à mulher causava dor, o homem de branco entendeu que às vezes pra distrair a dor é preciso um bocado de sangue.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Na tua reza
De baixo de uma incomum chuva
Velhos arbustos plantados
Ao lado de novas flores
Silenciavam as orações
E no silêncio de uma tarde
De sexta-feira
O único som era dela
- Você saiu de mim, eu te dei o ar
saiam todos, saiam todos
Trovejava o céu escuro
- serei eu a única a te deixar ir
volte pra dentro meu pequeno, volte
E com as unhas sujas de terra
Cravadas as raízes
Uma mulher se reconstruiu
Velhos arbustos plantados
Ao lado de novas flores
Silenciavam as orações
E no silêncio de uma tarde
De sexta-feira
O único som era dela
- Você saiu de mim, eu te dei o ar
saiam todos, saiam todos
Trovejava o céu escuro
- serei eu a única a te deixar ir
volte pra dentro meu pequeno, volte
E com as unhas sujas de terra
Cravadas as raízes
Uma mulher se reconstruiu
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