Andando sobre
Os próprios pés
Ele foi subindo a rua
As pernas e os olhos
Brilhavam ao som
Incerto da melodia
Do seu atrás.
E o céu girava
No sacolejo brilho
Do samba da noite
E ele subia indo
Para lá e para além
- Eu tô indo de encontro
Com o sol, vem comigo!
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
O Caminho de Casa
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Quadros Cegos
Se houvessem cores
talvez elas fossem azuis
como sempre o sinto azul no seu passar.
Eu apenas sinto e sei o que sinto
porque é neste sentir
que eu ouço cada passo
e cada sorriso teu.
Você e eu somos como duas estrelas
que vão além da visão dos Homens
quebramos o tempo
e o deixamos ser quão longo quiser
deitados sobre o céu e olhando as estrelas do mar.
Se houvessem cores
talvez elas fossem amarelas
assim como sempre sinto o seu assovio pela janela.
Eu na tua cantoria
gosto de me sentar em teus sons
e lembrar do vento dos teus braços
da imensidão de me aninhar sob teus carinhos
e a liberdade do teu abraço
- um sol de domingo.
Se houvessem cores
talvez elas fossem tons de verde
e quando eu penso em dizer adeus
me lembro dos teus olhos
e mergulho fundo em seus aquários
vivendo meus sonhos e os teus suspiros tão longos.
E é no som, no tato, deitado sobre meus lábios
que você e eu nos perdemos no infinito da vida
ao tom de uma nota incolor.
Se houvessem cores... mas elas não existem
e assim sigo, te sentindo, te ouvindo,
e te amando no escuro dos meus olhos esbranquiçados.
sábado, 18 de setembro de 2010
Carta de Dolores Maria de Menezes e Paulo
Boa noite meu filho
Esta carta nasce hoje como um suspiro de não se ter mais certezas das coisas que permanecerão vivas.
Eu me chamo Dolores Maria de Menezes e Paulo, tenho 65 anos e sinto como se a minha vida estivesse se estendendo para um longo leito de não se saber mais existir. Hoje tive um encontro. Não sei exatamente dizer se fora um encontro de amor, mas a algo que arde em mim essa noite que não consigo dizer se me faz fogo de uma velha paixão ou se me faz fogo por fogo.
Recebi a visita de um homem que não esperava. Conversamos por três horas seguidas afim de chegarmos num entendimento entre as minhas vontades e as vontades dele. Mas apenas corre em mim a sensação do desejo, de ser poetiza.
Casei-me com 15 anos. Meu pai guiava locomotivas pelos estados de São Paulo e Minas Gerais e minha mãe era uma dona de casa que gostava de fazer suas próprias panelas de barro. Sentava conosco – Somos cinco lá em casa, numa ordem decrescente, Eu, Irma, Aurélio, Bonâncio e Olívia – e passávamos boas longas tardes massageando o barro, amando a terra e nos enfeitando com todas aquelas quinquilharias que criávamos com o barro gemido.
Em 1962, houve uma festa nos fundos da igrejinha para comemorar a formatura da nova turma de datilógrafas. Eu não fui. O homem com quem dividia os lençóis de lírios amarelos havia me trancado em casa e sua voz insistia em se debater por todas as paredes de madeiras e a casa gritava tão alto quanto a sua garganta que arranhava dizendo, não, mulher nenhuma que se preze usa seus dedos para outra coisa que não no fogo esquentar, na água esfregar, na agulha me vestir e na cama se sujar, e os ecos que ali batiam não sei!..
Olívia uma vez, fez o favor de pegar o balde onde mamãe guardava a lavagem dos porcos e virar sobre si mesma. Foram só risos aquela tarde. Irma não saiu do balanço da jabuticabeira, Aurélio e Bonâncio cantavam qualquer rima endiabrada que viesse mais tarde irritar mamãe enquanto eu corria ao auxílio dela que sujava suas mãos no barro. Olívia precisou de uns sete banhos com sabão feito de gordura de porco para que conseguíssemos distingui-la dos que gruíam ao lado dela, já que era tão roliça quanto qualquer suíno rosa daquele sítio. Olívia era negra.
E quanto mais eu chorava, mais papai me batia. Gritava como um cavalo e cuspia seu fumo a cada cinco palavras – desavergonhada, isso sim, já te esperam com cravo em paleta e você me choraminga desesperos de não se casar? Todos os meus livros foram queimados aquela noite. Debrucei-me sobre a janela do quarto e olhava atenta, escutando a luta entre o ribeirão que corria à direita e a fogueira que estralava à esquerda. O fogo era tão brilhante quantos os olhos de Helena, tão veloz quanto às pernas de Iracema, tão vermelho quanto a marca de meus olhos.
Carlos José de Menezes e Paulo Filho, sim, exatamente dessa forma. Era como se um sonho, materializado sobre meus braços, olhasse-me intimamente e silabasse num sorriso: Mãe.
Logo depois, no natal de 1949, os meus tios por parte de pai, todos sentados a mesa, trocavam rápidas e poucas palavras; não se trata de ser uma situação confortável, a questão é que em noite de natal sua mão não deveria estar suja de barro. Olívia choramingava em seu berço de palha enquanto Aurélio, Bonâncio e Irma dormiam sobre as novas mantas que haviam ganhado de minha avó. Eu olhava, acho que não entendia o significado de tudo aquilo.
Mas, é justamente por isso que Carlos havia me comprado aquela cesta. No verão de 1975, meu marido havia sido promovido na fábrica de tecidos em que trabalhava, ficava no bairro do bexiga e enquanto descíamos a serra ele gargalhava, enquanto aquela cambada de italiano insiste em produzir macarrão, eu fico rico. Salve pátria produtora de tecidos. Não sei se ele sabia muito bem o que dizia, mas o Guarujá surgia de trás de um ipê roxo e a estrada que só descia ao lado da ferrovia nacional se enfeitava de verde, roxo e amarelo.
As três horas que passavam, fazia do quarto um lugar quente, eu estou agora da forma como fui deixada. Sobre os meus velhos lírios amarelos, sinto a pele suada por debaixo da minha seda branca e alguma coisa sangra em mim. Não devia ter sido tão amada, me deixei levar por tantos afagos, mas era apenas o escuro, minha cama, aquele sorriso e a vontade de amar.
No outro dia, Carlos vestia um terno marrom e prendia um cravo amarelo na camisa velha. Havia um sorriso. Era o dever cristão sendo cumprido. Padre Mariano sabia melhor que qualquer velha daquela região, ler o bordado dos olhos de uma mulher triste. Era o único sorriso. Em nome do Pai, em nome de Filho... meu nome se desfez.
Lembro que os presentes não foram abertos. O natal havia terminado antes mesmo da meia noite. Um tio sussurrava por debaixo do busto goticulado de suor que o bom velhinho de tão bom virou ceia dos porcos da fazenda. A única canção de natal vinha do berço rejeitado, um choro seco como castanhas, duro como uma avelã. E minha mãe, deitada no quintal de terra olhava para o céu e para as estrelas e fazia panelas. Eu era filha de uma puta com a Lua.
Foi uma bronquite crônica. Sim é lindo o caixãozinho branco.
Os meus dedos formados, aquela noite serviram apenas como carne. Minhas anáguas rasgadas pareciam bandeiras de paz num campo de guerra onde só se ouvia um único estourar. Eu quase desejava, era um limiar pouco na tentativa de desejar, já que gosta de datilografar, façamos a prova final e meu pulso vermelho, marcado a cinco dedos ia dançando no letrar de uma máquina. De dentro do salão imperial Helena era posta no colo e levada nos braços escadaria acima, as cortinas brancas dos aposentos íntimos foram cerradas e a poesia ia sendo digitada sobre as pernas fortes e largas, e a poesia ia sendo borrada nas duras e peludas coxas e a carne dura que pulsavam altas veias e vermelhejava um lustre que me foi engolido. Uma comédia, não um romance, além de datilógrafa é cantora. Gostos!
As praias estavam desertas e Carlos dormia, tão lindo, tão homem, meu homem.
...
...
Eu somente fechei os olhos e pedi a Deus que esse sonho terminasse logo. Eu estava apaixonada por aquele rosto, por aquele beijo, por aquelas palavras, por aquele respeito. Não era Carlos. A praia deserta de mim mesma. Afogada.
Um homem me visitou hoje. O escuro, o sorriso, o tempo, a cama e o sangue não sangra de mim. Eu me chamo Dolores, tenho 65 anos, hoje escrevi um poema sem Carlos saber. Escrevem-se poemas com punhais? O Diabo me visitou hoje e agora, enfim, tenho minha historia contada e sangrada.
Adeus
“Glória a Deus senhor nas alturas e viva eu de amargura nas terras do meu senhor”
Esta carta nasce hoje como um suspiro de não se ter mais certezas das coisas que permanecerão vivas.
Eu me chamo Dolores Maria de Menezes e Paulo, tenho 65 anos e sinto como se a minha vida estivesse se estendendo para um longo leito de não se saber mais existir. Hoje tive um encontro. Não sei exatamente dizer se fora um encontro de amor, mas a algo que arde em mim essa noite que não consigo dizer se me faz fogo de uma velha paixão ou se me faz fogo por fogo.
Recebi a visita de um homem que não esperava. Conversamos por três horas seguidas afim de chegarmos num entendimento entre as minhas vontades e as vontades dele. Mas apenas corre em mim a sensação do desejo, de ser poetiza.
Casei-me com 15 anos. Meu pai guiava locomotivas pelos estados de São Paulo e Minas Gerais e minha mãe era uma dona de casa que gostava de fazer suas próprias panelas de barro. Sentava conosco – Somos cinco lá em casa, numa ordem decrescente, Eu, Irma, Aurélio, Bonâncio e Olívia – e passávamos boas longas tardes massageando o barro, amando a terra e nos enfeitando com todas aquelas quinquilharias que criávamos com o barro gemido.
Em 1962, houve uma festa nos fundos da igrejinha para comemorar a formatura da nova turma de datilógrafas. Eu não fui. O homem com quem dividia os lençóis de lírios amarelos havia me trancado em casa e sua voz insistia em se debater por todas as paredes de madeiras e a casa gritava tão alto quanto a sua garganta que arranhava dizendo, não, mulher nenhuma que se preze usa seus dedos para outra coisa que não no fogo esquentar, na água esfregar, na agulha me vestir e na cama se sujar, e os ecos que ali batiam não sei!..
Olívia uma vez, fez o favor de pegar o balde onde mamãe guardava a lavagem dos porcos e virar sobre si mesma. Foram só risos aquela tarde. Irma não saiu do balanço da jabuticabeira, Aurélio e Bonâncio cantavam qualquer rima endiabrada que viesse mais tarde irritar mamãe enquanto eu corria ao auxílio dela que sujava suas mãos no barro. Olívia precisou de uns sete banhos com sabão feito de gordura de porco para que conseguíssemos distingui-la dos que gruíam ao lado dela, já que era tão roliça quanto qualquer suíno rosa daquele sítio. Olívia era negra.
E quanto mais eu chorava, mais papai me batia. Gritava como um cavalo e cuspia seu fumo a cada cinco palavras – desavergonhada, isso sim, já te esperam com cravo em paleta e você me choraminga desesperos de não se casar? Todos os meus livros foram queimados aquela noite. Debrucei-me sobre a janela do quarto e olhava atenta, escutando a luta entre o ribeirão que corria à direita e a fogueira que estralava à esquerda. O fogo era tão brilhante quantos os olhos de Helena, tão veloz quanto às pernas de Iracema, tão vermelho quanto a marca de meus olhos.
Carlos José de Menezes e Paulo Filho, sim, exatamente dessa forma. Era como se um sonho, materializado sobre meus braços, olhasse-me intimamente e silabasse num sorriso: Mãe.
Logo depois, no natal de 1949, os meus tios por parte de pai, todos sentados a mesa, trocavam rápidas e poucas palavras; não se trata de ser uma situação confortável, a questão é que em noite de natal sua mão não deveria estar suja de barro. Olívia choramingava em seu berço de palha enquanto Aurélio, Bonâncio e Irma dormiam sobre as novas mantas que haviam ganhado de minha avó. Eu olhava, acho que não entendia o significado de tudo aquilo.
Mas, é justamente por isso que Carlos havia me comprado aquela cesta. No verão de 1975, meu marido havia sido promovido na fábrica de tecidos em que trabalhava, ficava no bairro do bexiga e enquanto descíamos a serra ele gargalhava, enquanto aquela cambada de italiano insiste em produzir macarrão, eu fico rico. Salve pátria produtora de tecidos. Não sei se ele sabia muito bem o que dizia, mas o Guarujá surgia de trás de um ipê roxo e a estrada que só descia ao lado da ferrovia nacional se enfeitava de verde, roxo e amarelo.
As três horas que passavam, fazia do quarto um lugar quente, eu estou agora da forma como fui deixada. Sobre os meus velhos lírios amarelos, sinto a pele suada por debaixo da minha seda branca e alguma coisa sangra em mim. Não devia ter sido tão amada, me deixei levar por tantos afagos, mas era apenas o escuro, minha cama, aquele sorriso e a vontade de amar.
No outro dia, Carlos vestia um terno marrom e prendia um cravo amarelo na camisa velha. Havia um sorriso. Era o dever cristão sendo cumprido. Padre Mariano sabia melhor que qualquer velha daquela região, ler o bordado dos olhos de uma mulher triste. Era o único sorriso. Em nome do Pai, em nome de Filho... meu nome se desfez.
Lembro que os presentes não foram abertos. O natal havia terminado antes mesmo da meia noite. Um tio sussurrava por debaixo do busto goticulado de suor que o bom velhinho de tão bom virou ceia dos porcos da fazenda. A única canção de natal vinha do berço rejeitado, um choro seco como castanhas, duro como uma avelã. E minha mãe, deitada no quintal de terra olhava para o céu e para as estrelas e fazia panelas. Eu era filha de uma puta com a Lua.
Foi uma bronquite crônica. Sim é lindo o caixãozinho branco.
Os meus dedos formados, aquela noite serviram apenas como carne. Minhas anáguas rasgadas pareciam bandeiras de paz num campo de guerra onde só se ouvia um único estourar. Eu quase desejava, era um limiar pouco na tentativa de desejar, já que gosta de datilografar, façamos a prova final e meu pulso vermelho, marcado a cinco dedos ia dançando no letrar de uma máquina. De dentro do salão imperial Helena era posta no colo e levada nos braços escadaria acima, as cortinas brancas dos aposentos íntimos foram cerradas e a poesia ia sendo digitada sobre as pernas fortes e largas, e a poesia ia sendo borrada nas duras e peludas coxas e a carne dura que pulsavam altas veias e vermelhejava um lustre que me foi engolido. Uma comédia, não um romance, além de datilógrafa é cantora. Gostos!
As praias estavam desertas e Carlos dormia, tão lindo, tão homem, meu homem.
...
...
Eu somente fechei os olhos e pedi a Deus que esse sonho terminasse logo. Eu estava apaixonada por aquele rosto, por aquele beijo, por aquelas palavras, por aquele respeito. Não era Carlos. A praia deserta de mim mesma. Afogada.
Um homem me visitou hoje. O escuro, o sorriso, o tempo, a cama e o sangue não sangra de mim. Eu me chamo Dolores, tenho 65 anos, hoje escrevi um poema sem Carlos saber. Escrevem-se poemas com punhais? O Diabo me visitou hoje e agora, enfim, tenho minha historia contada e sangrada.
Adeus
“Glória a Deus senhor nas alturas e viva eu de amargura nas terras do meu senhor”
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Wind south
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Quarto de Menina
A lata na cabeça
passa sujando os pés
de pó.
Os varais secos
chupam ar quente
enquanto
aqui e ali um portão
bate...
- Toda assim pequena
que numa janela
se alumia, enquanto
numa outra chovia.
A lata na cabeça
volta sujando a barra
de barro.
Os varais pingando
chupando a lima molhada
enquanto
aqui e ali um portão
abre...
- Da minha janela
eu faço os dias.
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